Vigilância da doença – do terreno ao laboratório

Em 1988, quando foi lançada a Iniciativa Mundial de Erradicação da Poliomielite (GPEI), a única forma de diagnosticar a poliomielite era com base nos sintomas que uma pessoa apresentava, que incluem febre súbita, cefaleia, vómitos, rigidez do pescoço e sinais de paralisia. Isto era problemático, uma vez que várias outras doenças apresentam os mesmos sintomas que a poliomielite. Consequentemente, havia erros frequentes na identificação de casos de poliomielite e muitas vezes surtos de grande dimensão não eram detectados.

 

Duas das primeiras medidas tomadas para melhorar a detecção do poliovírus foram o desenvolvimento de um sistema de identificação e registo de casos de paralisia flácida aguda (PFA), e a criação de uma rede mundial de laboratórios para a poliomielite de forma a confirmar os diagnósticos. 

 

A rede africana de laboratórios para a poliomielite começou a tomar forma na década de 1990, em grande medida graças ao apoio da Agência Japonesa de Cooperação Internacional. Em 1995, a rede contava com 13 laboratórios de referência nacionais e três regionais em 15 países da Região Africana. 

O primeiro passo foi formar pessoas para trabalhar nestes laboratórios,” afirma o Professor Oyewale Tomori, antigo Virologista e Coordenador Regional de Laboratórios no Escritório Regional da OMS para a África, que ajudou a criar a rede de laboratórios para a poliomielite. O segundo passo,” continua o Professor Tomori, “foi desenvolver a capacidade dos laboratórios.” 

 

Gradualmente, foram introduzidos novos métodos de testagem que permitiram diagnósticos mais rigorosos em menos tempo. Por exemplo, em 2010, todos os 16 laboratórios tinham capacidade para diferenciar poliovírus selvagens de outras estirpes de poliovírus e conseguiam fazê-lo em apenas duas horas e meia. Hoje em dia, os laboratórios de referência regional podem realizar a sequenciação genética para identificar diferentes tipos de poliovírus selvagens e o poliovírus circulante derivado da vacina (cVDPV), e as suas origens. Isto é essencial para o planeamento das respostas aos surtos e a racionalização dos recursos. 

 

A vigilância no terreno, que deve ser feita em paralelo com a testagem em laboratório, também percorreu um longo caminho. Em todos os países, uma legião de profissionais de saúde, membros das comunidades e voluntários receberam formação para identificar casos de paralisia durante as suas actividades diárias. Para detectar qualquer caso que tenha passado desapercebido, os responsáveis pela vigilância visitam unidades de saúde e os curandeiros das comunidades. As inovações tecnológicas, como os telemóveis, também melhoraram a forma como as comunidades notificação casos.

Responsável pela vigilância da poliomielite Amina Ismail (direita) trabalha com a sua equipa no sentido de reforçar os sistemas de vigilância no Quénia. Juntos, sensibilizam as comunidades para o papel essencial que os dados desempenham no rastreio e contenção de todas as formas de poliovírus, 2015. ©️ OMS

Em 2011, a vigilância ambiental permitiu que o poliovírus também fosse identificado nos esgotos, complementando de uma forma importante a notificação de casos. Esta abordagem permitiu igualmente descobrir surtos antes que qualquer criança fosse diagnosticada com o vírus.

Amostras de vigilância ambiental que acabaram de passar por uma rotação rápida numa centrifugadora. A matéria fecal concentra-se no fundo e a camada líquida é extraída e adicionada a uma cultura celular para a testagem de poliovírus no Laboratório do Programa Alargado de Vacinação do Instituto de Investigação Médica do Quénia (KEMRI), Nairobi, Quénia, 2018. ©️ OMS/L.Dore 

A ampla rede de vigilância da doença desenvolvida ao longo dos anos através do programa de luta contra a poliomielite deixou um extenso legado aos sistemas de saúde em África e à capacidade do continente para responder a outras doenças. “Um dos legados da rede de laboratórios para a poliomielite tem sido a reprodução da forma como a rede foi desenvolvida para outras doenças como o sarampo e a gripe, e mesmo para doenças não virais,” afirma a Dr.ª Nicksy Gumede, Virologista Regional do Programa de Erradicação da Poliomielite no Escritório Regional da OMS para a África.

 

 

A maior parte desta infra-estrutura física já foi redireccionada para lutar contra novos desafios de saúde. Laboratórios mais bem equipados e interligados têm sido e continuam a ser usados na resposta ao Ébola e, mais recentemente, à COVID-19, permitindo a detecção atempada de surtos e uma resposta rápida.

 

 

A infra-estrutura humana é mais difícil de aferir, mas é igualmente valiosa. A vigilância da poliomielite dotou a África de profissionais de saúde e cientistas qualificados, incluindo epidemiologistas e virologistas. Também orientou as comunidades do continente e facilitou o seu envolvimento. Com o apoio e os recursos adequados, são estas pessoas, formadas na luta contra as doenças, que irão ajudar a fazer avançar a saúde pública em África. 

A Dr.ª Aarti Singh e uma equipa de responsáveis pela vigilância e de mobilizadores sociais rastreiam os contactos de indivíduos infectados pelo vírus Ébola, para conter a doença na Serra Leoa e na Libéria, 2015. © NPSP/Dr Aarti Singh
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