República Democrática do Congo: Os enormes esforços que os vacinadores contra a poliomielite fazem para chegarem a todas as crianças
A pé, de barco e de bicicleta, milhares de vacinadores voluntários na República Democrática do Congo dão-se a um trabalho extraordinário, às vezes correndo riscos pessoais, para ajudarem a erradicar a poliomielite.
Conforme a canoa, feita de madeira desgastada pelas muitas viagens, abana para um lado e para o outro, dobrando-se nas curvas do rio Kwilu, Tangomo Tansia agarra com força a caixa azul e branca que repousa no seu colo. Os espectadores, observando a forma protectora como a segura e a sua expressão concentrada, poderão assumir que a caixa contém dinheiro, ouro ou outros bens caros. No entanto, a caixa está cheia de vacinas contra a poliomielite, conservadas abaixo de zero graus de temperatura com embalagens de gelo para manter a eficácia.
Os agentes comunitários de saúde, como Tansia, vêem as suas caixas de vacinas como a sua mercadoria mais preciosa. Transportadas em aviões e barcos, em jipes, carros e canoas, amarradas na parte de trás de motas e bicicletas ou carregadas nos seus braços enquanto caminham pelo próprio pé, estes voluntários dedicados envidam esforços extraordinários para se certificarem de que as vacinas alcançam os cantos mais recônditos do seu país.
Erradicar a transmissão de poliomielite na República Democrática do Congo tem sido um desafio. O país é vasto e cobre um conjunto impressionante de terrenos, de florestas densas a montanhas, que, apesar de serem de cortar a respiração, são difíceis de atravessar. Viajar é ainda mais complicado por causa de uma diminuta rede rodoviária, que, apesar do seu tamanho, se equipara à da Europa Ocidental.
O conflito e a insegurança também levaram ao deslocamento interno, tornando algumas zonas inacessíveis. Nessas zonas de difícil acesso, os serviços de saúde são particularmente fracos.
Apesar desses desafios, o programa de luta contra a poliomielite da República Democrática do Congo foi pioneiro em inúmeras inovações e medidas para ultrapassar esses desafios, as quais têm sido usadas desde aí por outros países. Foram negociados “dias de tranquilidade”, permitindo aos humanitários transportar vacinas até zonas afectadas por conflitos, normalmente inacessíveis por meios aéreos e terrestres.
Outro enorme contributo foi o trabalho incansável de milhares de voluntários como Tansia, os quais vacinaram ao longo da última década milhões de crianças contra a poliomielite nalgumas das zonas mais remotas do país.
Na República Democrática do Congo, os barcos são usados regularmente para o transporte de vacinas por via fluvial. Aqui um veículo e funcionários da OMS são transportados de barco através do rio Kwilu, Bandundu © Hugh Cunningham
A estrada que leva até Bandundu, que fica a 400 quilómetros da capital do país, Kinshasa. Os vacinadores devem atravessar vastas distâncias para chegarem às crianças com a vacina contra a poliomielite. © Hugh Cunningham.
A sua tarefa não é fácil, seja de canoa, bicicleta, mota ou a pé. Navegando pelo acentuado rio Congo, da capital Kinshasa até Bandundu (a cerca de 400 km de distância), as correntes fortes podem virar os barcos, com o risco de ataques de crocodilos mais a montante em direcção a Mbandaka.
Somos uma ponte entre a população e o centro de saúde.
–Tangomo Tansia
No ano passado, Tansia, que é de Kikwit, mas trabalha a 135 km de distância em Bandundu, quase se afogou quando a sua canoa esteve prestes a virar-se. “Foi a experiência mais assustadora da minha vida”, diz ele. O barco estava apinhado, “Éramos cerca de 30 passageiros na canoa e também havia bagagem”, explica Tansia. Com a guinada repentina que a canoa deu, a carga foi lançada para o rio Kwilu, incluindo Tansia e todos os seus bens.
Boiando na água, ele observou a sua bicicleta e mala afundarem-se no fundo do rio. “Fiquei muito triste por perdê-las”, suspira ele. No entanto, nada deteve Tansia da sua missão. Ele manteve-se agarrado à caixa de vacinas. “Fiquei feliz porque não a perdi”, diz ele orgulhoso. “Quando recuperámos o controlo da canoa, segui viagem com as vacinas e elas foram usadas nessa campanha contra a poliomielite.” A sua meta é garantir que são vacinadas crianças suficientes na República Democrática do Congo para proteger toda a população contra a poliomielite.
Depois de, em 1995, serem infectadas 1000 crianças em Mbuji-Mayi, naquele que foi o maior surto registado de poliomielite na República Democrática do Congo, começou uma grande campanha de vacinação financiada pelo Rotary. Entre 2001 e 2005, a República Democrática do Congo rapidamente interrompeu a poliomielite selvagem endémica, mas enfrentou importações repetidas de Angola entre 2006 e 2011. O país acabou por ser declarado livre de poliomielite selvagem em Novembro de 2015, com um total de mais de 250 milhões de crianças vacinadas.
Mas ainda há um longo caminho pela frente.
O agente comunitário de saúde Tangomo Tansia transporta de canoa a sua mala térmica cheia de vacinas contra a poliomielite pelo rio Kwilu, Bandundu. Numa viagem, a canoa quase se virou, e Tansia perdeu todos os seus bens, mas conseguiu proteger a mala térmica © Hugh Cunningham/WHO
Pelo menos 90% das crianças deverão estar totalmente vacinadas de forma a garantir que a doença não se espalha entre a população, se for reintroduzida, e para limitar a propagação de uma versão do vírus derivada da vacina.
Um profissional de saúde administra duas gotas de vacina contra a poliomielite a Daniella Ntiese, de quatro anos, em Bandundu. “É importante nenhuma criança ficar de fora”, diz ele © Hugh Cunningham/WHO
“É nosso dever darmos o nosso contributo para o bem-estar da nossa comunidade… proteger os nossos filhos contra a poliomielite”, acrescenta ele enquanto despeja uma dose de vacina contra a poliomielite na boca de Ruth Make, de um ano. “Sem dúvida que eles são o futuro de amanhã.”
As viagens que voluntários como Tansia empreendem são vitais para chegar a todas as comunidades com vacinas, independentemente de o seu acesso ser longínquo e difícil. No entanto, estes voluntários não só entregam vacinas contra a poliomielite, como oferecem igualmente outros serviços de saúde, incluindo suplementos com Vitamina A, comprimidos desparasitantes e redes mosquiteiras tratadas com insecticida. Mais recentemente, eles têm apoiado a sensibilização para a COVID-19 nas suas comunidades.
“Somos uma ponte entre a população e o centro de saúde”, diz Tansia.
“É nosso dever darmos o nosso contributo para o bem-estar da nossa comunidade… proteger os nossos filhos contra a poliomielite”, acrescenta ele enquanto despeja uma dose de vacina contra a poliomielite na boca de Ruth Make, de um ano. “Sem dúvida que eles são o futuro de amanhã.”
O agente comunitário de saúde Tangomo Tansia vacina Ruth Make, de um ano, enquanto a sua mãe, Mbase Make, assiste, em Bandundu. “As famílias recebem-nos calorosamente e agradecem-nos por mantermos os seus filhos protegidos de doenças”, diz Tansia © Hugh Cunningham/WHO
A profissional de saúde Apuma Matungulu visita vilas em Bandundu a pé com a sua mala térmica de vacinas contra a poliomielite para vacinar crianças. © Hugh Cunningham/WHO